"[...] o céo se mostra retalhado por entre fendas de serranias, umas que vão às nuvens, outras mais baixas, umas vistas de perto e sobre as cabeças, negras e respeitosas; outras ao longe mostrando sua cumiada desigual, esfarrapada e toda azulada [...] Pasmava com esta vista! Mil reflexões enchiam de tumulto o meu espírito! Dizia comigo: respeitosas e soberbas montanhas, de que modo vos levantastes tanto sobre a superfície da terra?" - José Vieira Couto, em 1801.
Diamantina está a 1.113 metros de altitude. E o Itambé? Impressionantes 2.052 metros. Não é à toa que o entusiasmado cronista se deixava levar por reflexões tão profundas sobre essa paisagem. Assim como ele, também reflito, me emociono e me apaixono cada vez mais por essa terra.
Mas vamos ao ponto: decidi subir o Pico de uma vez por todas. Anos se passaram desde que o avistei pela primeira vez, formando aquela paisagem tão marcante no horizonte. Desta vez, não ficaria apenas olhando de longe. Juntei-me a alguns colegas e ao querido guia turístico Felipe, que me acompanha pelas redondezas de Diamantina há mais de 10 anos, e fomos.
No dia da subida, seguimos na valente Bandeirante do Felipe até a cidade de Santo Antônio do Itambé. E foi lá que vi o Pico mais de perto. Um gigante.
Começamos a subida e, honestamente? Achei que não ia conseguir. A trilha é desafiadora, mas minha determinação foi maior. Além disso, o fato de estar realizando um Perfil Topoclimático* durante a caminhada me ajudou. As pausas para medir os parâmetros necessários deram um alívio ao esforço físico.
Quando finalmente chegamos ao topo, a sensação era indescritível. Dormimos lá em cima, imersos no frio e vastidão das montanhas, e no dia seguinte iniciamos a descida, sempre acompanhados pela deslumbrante paisagem ao redor. Essa é mais uma dessas experiências que levo pra sempre na minha memória!
De volta a São Paulo, fui direto à faculdade devolver os materiais que havia pegado emprestado do laboratório. Também marquei uma reunião com o professor que me orientou durante a expedição para apresentar os dados que coletei. Durante a conversa, ele me deu uma sugestão inesperada:
— Em pouco mais de um mês acontecerá o XX Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada, em João Pessoa, na Paraíba. Por que você não escreve um artigo e submete para avaliação? Quem sabe não é aceita e pode apresentar seu trabalho lá?
Achei a ideia uma loucura. Tinha pouco tempo e nunca havia escrito um artigo para publicação. Mas, sinceramente? Falou em viajar, eu tô dentro! Decidi aceitar o desafio. Escrevi o artigo, submeti ao Simpósio e... adivinhem? Fui aceita!
Elaborei o trabalho intitulado "Perfil Topoclimático do Pico do Itambé (Serra do Espinhaço) - Município de Santo Antônio do Itambé - Minas Gerais, Brasil: Diagnóstico Preliminar" e embarquei para João Pessoa cheia de expectativas e gratidão.
No dia da apresentação, percebi que estava usando a mesma camiseta que vesti ao subir o grande Itambé. Talvez por coincidência, senti o mesmo nervosismo daquela subida. Mas, se o Espinhaço estava comigo, quem estaria contra?
A apresentação foi um sucesso, e ali percebi como as coisas se conectaram perfeitamente. Mais uma vez entendi que estou exatamente onde deveria estar. E, como disse meu professor:
— Quem diria que essa caminhada daria um caldo bom desses, hein?
E deu mesmo!
Deixo aqui o link para leitura do artigo já publicado e também algumas fotos tiradas pelo meu amigo João Piuzana Rosa que marcaram essa experiência inesquecível. Aproveito para expressar minha gratidão aos meus colegas de aventura, ao guia Felipe, ao Professor Emerson e ao Laboratório de Climatologia e Biogeografia da USP, que gentilmente me emprestou o material necessário durante as férias. Valeu, galera!
*Nota de rodapé:
O perfil topoclimático descreve as variações climáticas em função das características do relevo, como altitude, declividade e orientação das encostas. Ele analisa como fatores topográficos influenciam elementos climáticos, como temperatura, precipitação e circulação de ar, sendo uma ferramenta valiosa para estudos da Climatologia e planejamento ambiental.
Nenhum comentário:
Postar um comentário